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sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Um livro que marcou a minha vida: Trindade e Reino de Deus (Moltmann)

A teologia é uma ciência fascinante, emocionanete e, por que não dizer, perigosa. Os cursos universitários não costumam marcar as pessoas da mesma maneira. Tenho a impressão que os cursos de teologia, psicologia e sociologia estão entre aqueles que mais afetam a vida dos alunos, por uma razão muito específica: eles mexem com nossa identidade e nosso sistema de crenças e valores.
No terceiro ano do curso de teologia, eu estava me sentindo num deserto árido, seco, solitário. Na teologia acadêmica, estudamos temas importantes, mas difíceis de digerir. No meio deste processo, havia um livro na bibliografia de Teologia Sistemática chamado "Trindade e Reino de Deus", do teólogo reformado alemão Jürgen Moltmann. É um texto de linguagem difícil, acadêmica, mas carregado de tanta beleza, apresentando a Deus de maneira tão apaixonada, dialogando com a Bíblia, a história da teologia e, mesmo, com o mundo contemporâneo, que várias vezes chorei de emoção, prostrado diante da glória e da beleza do Deus Triúno (único e trino). Nem todos o considerarão fácil de ler, mas sua leitura atenta e cuidadosa vale todo o esforço. Li adorando e orando, rindo e chorando.
Abaixo, gostaria de compartilhar com você algumas citações do livro:

Sobre a entrega do Filho
"O Evangelho de S. João resume o significado da entrega na seguinte frase: 'De tal modo Deus amou o mundo que lhe deu o seu Filho único, para que todos os que nele crerem não pereçam, mas tenham a vida eterna' (Jo 3.16). Com a expressão 'de tal modo' quer-se dizer: 'dessa maneira', ou seja, da maneira que 'por nós' padeceu o abandono da morte na cruz. E 1Jo 4.16 define Deus assim: 'Deus é amor'. Significa; Deus não ama do mesmo modo como às vezes também pode irar-se. Não, ele é amor. A sua essência é amor. Ele se constitui de amor. E isso aconteceu na cruz. Essa definição somente alcança todo o seu significado quando se procura permanentemente reavivar o caminho que leva a ela, a saber, o abandono de Jesus na cruz, a entrega do Filho pelo Pai, e o amor que tudo faz, tudo concede e tudo sofre pelo homem que se perdeu. Deus é amor, i. é, Deus é doação, i. é, Deus existe por nós: na cruz. Exprimindo isso trinitariamente: O Pai deixa o Filho imolar-se através do Espírito. 'O Pai é o amor que crucifica; o Filho é o amor crucificado; o Espírito Santo é a força invencível da cruz'. A cruz está colocada no meio da Trindade. Isso foi exposto pela tradição, que se apóia no Apocalipse de S. João, mediante a imagem do 'cordeiro imolado (desde o início do mundo)' (Ap 5.12). Antes que existisse o mundo, existia em Deus a imolação. Não há pensamento trinitário possível sem o Cordeiro, sem a imolação do amor, sem o Filho crucificado. Pois ele é o Cordeiro sacrificado, que será glorificado por toda a eternidade" (1).

Sobre "Trindade e liberdade"
"A experiência da liberdade tem sempre uma dimensão religiosa. Por isso, o conceito de liberdade tem também uma dimensão teológica. Isso inclusive é demonstrado pela fundamentação atéia da liberdade nos tempos modernos. Para se afirmar a liberdade do homem, e querê-la, Deus deve ser negado. Ou impera Deus, e nesse caso o homem não é livre: ou o homem é livre, e nesse caso não pode haver um Deus. Nessa alternativa primitiva, a liberdade atéia contrapôe-se à dependência monoteística. Vice-versa, a ordenação político-religiosa do mundo coloca-se contra a liberdade e a responsabilidade do homem.
A doutrina trinitária (...) supera a dependência monarquista e oferece o fundamento para a liberdade humana em mais de uma dimensão. Um Deus imóvel e apático não pode ser colocado com fundamento da liberdade humana. Um soberano absolutista no céu não encoraja nenhuma liberdade sobre a terra. Somente o Deus sofredor e apaixonado, e por força da sua paixão pelo homem, é capaz de fazer com que exista a liberdade humana. Ele oferece à liberdade humana o seu divino espaço vital. O Deus uno e trino, que realiza o reino da sua glória em sua história da criação, libertação e glorificação, deseja a liberdade humana, alicerça a liberdade humana e dispõe o homem incessantemente para a liberdade. A teologia trinitária oferece a possibilidade de fundamentar uma doutrina da liberdade abrangente e pluridimensional. Nós propomos, assim, a seguinte concepção:
A doutrina trinitária do reino é a doutrina teológica da liberdade. O conceito teológico da liberdade é o conceito da história trinitária de Deus: Deus deseja constantemente a liberdade da sua criação. Deus é a liberdade incriada da sua criatura". (2)
"A liberdade em si mesma é abrangente e indivisa. Por isso é que toda experiência parcial da liberdade impele para a liberedade plena e para a liberdade de toda a criação. A sede de liberdade não pode contentar-se com uma satisfação parcial. Ela não conhece limites. Por esse motivo também a liberdade doa amigos de Deus ainda não é liberdade plena. Historicamente, ela é a melhor de todas as liberdades possíveis no relacionamento com Deus. Mas, por sua vez, ela aponta para aquela liberdadeque está além e acima, e que somente no reino da glória alcança a sua beatitude consumada em Deus. No reconhecimento de Deus face a face é que a liberdade dos servos, dos filhos e dos amigos de Deus chega finalmente à sua perfeição última em Deus. Ela consistirá então na participação ilimitada na vida eterna, na plenitude inesgotável e na glória do Deus uno e trino. "Nosso coração está irrequieto dentro de nós, até encontrar o repouso junto a ti", disse Agostinho. Quanto à liberdade, poder-se-ia dizrer: Nosso coração não se sente livre dentro de nós, até tornar-se livre na glória do Deus uno e trino"(3).

Espero que estas breves citações possam despertar em você um pouco da alegria e da adoração que despertaram em mim, pela graça de Deus.


Notas:
(1) Jürgen Moltmann. Trindade e Reino de Deus: uma contribuição para a teologia. Petrópolis: Vozes, 2000,  p. 95.
(2) Idem, p. 221.
(3) Idem, p. 224.

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