Há um tempo atrás, ouvi um pastor amigo meu, após a pregação,
orar para que “o Bálsamo de Gileade” fosse derramado sobre os corações das
pessoas. Fiquei pensando: “o que isso significa?”. Que bálsamo é esse?
No dia seguinte, fui conversar com o pastor. Perguntei a ele
se havia retirado a referencia do bálsamo da Bíblia ou de um cântico de um
grupo chamado "Diante do Trono", da Igreja Batista da Lagoinha. Depois de hesitar um pouco, ele
respondeu que foi da música. Para você entender, a música diz o seguinte:
“Vinde, voltemos ao Senhor/ Pois ele nos despedaçou e nos sarará
Fez a ferida e a ligará/ Nos revigorará e viveremos diante dele
Há um bálsamo em Gileade / Há unção em Gileade
Vem sobre mim para curar / Vem
sobre a filha de Sião
Há um médico em Gileade / Há remédio em Gileade
Vem sobre mim para curar / Restaura a filha de Sião”
Eu fiquei preocupado. Vamos dar uma olhada nas referencias do cântico acima
e ver de onde veio esta letra. Vamos ver também qual seria a mensagem da
música, considerando as suas referencias.
FUNDAMENTAÇÃO BÍBLICA
Fundamentalmente a
letra da música consiste em uma citação de Oséias 6.1-2 (livro do profeta
Oséias, capítulo seis, versos um e dois). Vejamos:
“Vinde, e tornemos
para o SENHOR, porque ele nos despedaçou e nos
sarará; fez a ferida e a ligará. Depois
de dois dias, nos revigorará; ao terceiro dia,
nos levantará, e viveremos diante dele”(Oséias
6.1-2 – Tradução Almeida Revista e Atualizada. Grifo acrescentado).
A música
acrescenta uma estrofe, que parte de uma referencia do verso 8, que fala sobre Gileade (sobre o bálsamo e sobre o médico).
Agora, vamos analisar o texto bíblico que serve de fundamento para a
música. O contexto deixa claro que as
palavras que serviram de fundamentação para a música são palavras de um povo
cheio de pecados, que não se arrependia, e amava a Deus apenas da boca para
fora! Chega a ser assustador. Leia com atenção o texto completo:
“Irei
e voltarei para o meu lugar, até que se reconheçam culpados e busquem a minha
face; estando eles angustiados, cedo me buscarão, dizendo:
Vinde, e tornemos para o
SENHOR, porque ele nos despedaçou e nos sarará; fez a ferida e a ligará. Depois
de dois dias, nos revigorará; ao terceiro dia, nos levantará, e viveremos
diante dele. Conheçamos e prossigamos em conhecer ao SENHOR; como a alva, a sua
vinda é certa; e ele descerá sobre nós como a chuva, como chuva serôdia que
rega a terra.
Que te farei, ó Efraim? Que te farei, ó Judá?
Porque o vosso amor é como a nuvem da manhã e como o orvalho da madrugada, que
cedo passa. Por isso, os abati por meio dos profetas; pela palavra da minha
boca, os matei; e os meus juízos sairão como a luz. Pois misericórdia quero, e
não sacrifício, e o conhecimento de Deus, mais do que holocaustos. Mas eles
transgrediram a aliança, como Adão; eles se portaram aleivosamente contra mim. Gileade
é a cidade dos que praticam a injustiça, manchada de sangue. Como hordas de
salteadores que espreitam alguém, assim é a companhia dos sacerdotes, pois
matam no caminho para Siquém; praticam abominações. Vejo uma coisa horrenda na
casa de Israel: ali está a prostituição de Efraim; Israel está contaminado. Também
tu, ó Judá, serás ceifado” (Oséias 5.15-6.11 - grifos e destaques acrescentados).
Só para ficar claro, no texto acima os locutores são o SENHOR e o profeta Oséias. Em Oséias 6.1-3 o locutor é Oséias, que expressa o pensamento do povo (texto em vermelho). São palavras de
um povo doente, pois ao invés de confiar no Senhor, depositou a sua
esperança e a sua fé no rei da Assíria
(poder político-economico-militar) - veja Oséias 5.8-14. Depois de citar as palavras deste povo,
continua a sua descrição: seu amor é superficial, interesseiro. São transgressores
da aliança, infiéis. Seus sacerdotes são como uma “horda de saqueadores”, que
cometem assassinatos enquanto se dirigem para o santuário (Siquém). Cometem abominações,
como a prostituição – que, nos profetas, costuma ser referencia a idolatria (e confiar no rei da Assíria, ao invés de confiar no Senhor, é expressão de idolatria!).
Dito de outra maneira: o cântico da Igreja Batista
da Lagoinha cita as palavras de um povo idólatra, que não amava a Deus de
verdade, que tinha uma religião vazia, cujos sacerdotes cometiam homicídios
enquanto se dirigiam ao santuário... Um povo que, ao invés de confiar e esperar
em Deus, confiava e esperava no rei da Assíria – que, aliás, destruiu Israel!
No verso 8 há uma referencia a Gileade... mas não há
referencia a Bálsamo! Pelo contrário: “Gileade é a cidade dos que praticam a injustiça, manchada de sangue”. Sendo
assim, onde é que a Ana Paula Valadão encontrou o “Bálsamo de Gileade”? A coisa
complica se você procurar por outros textos bíblicos que tratam do “Bálsamo de
Gileade”. Se você procurar na Bíblia as ocorrências de “bálsamo” e “Gileade”
juntas, encontrará três textos:
O primeiro afirma, simplesmente, que os ismaelitas,
que vinham de Gileade, vendiam seu bálsamo para o Egito:
“Ora,
sentando-se para comer pão, olharam e viram que uma caravana de ismaelitas
vinha de Gileade; seus camelos traziam arômatas, bálsamo e mirra, que levavam
para o Egito”(Gênesis 37.25).
O segundo e o terceiro textos que falam sobre bálsamo de Gileade estão no livro do profeta Jeremias:
“Sobe a Gileade e toma bálsamo, ó virgem filha do Egito; debalde
multiplicas remédios, pois não há remédio para curar-te”(Jeremias 46.11).
"Acaso, não há bálsamo em Gileade? Ou não há lá médico? Por que, pois, não se realizou a cura da filha do meu povo?" (Jeremias 8.22).
É interessante que Gênesis 37.25 e Jeremias 46.11 fazem referencia ao Egito: Os ismaelitas vendiam o bálsamo para o Egito, enquanto Jeremias registra um oráculo (palavra de Deus) contra o Egito!
É interessante também que Jeremias 8.22 e 46.11 afirmam que o Bálsamo de Gileade não é capaz de trazer cura para a ferida do povo! Por extensão, o(s) médico(s) de Gileade também não podem trazer cura (Jr 8.22)!!! Consulte um comentário bíblico "decente" sobre Oséias 5.15-7.2. Leia, por exemplo, o comentário do Manual Bíblico da Sociedade Bíblica do Brasil, que dá o título de "Arrependimento que não durou muito" para a passagem de Oséias 6.1-6. Você não vai encontrar comentário bíblico decente dando enfase ao Bálsamo de Gileade, inclusive em Gênesis 37.25, Jeremias 8.22 e Jeremias 46.11!
Assim, a mensagem que os textos bíblicos anunciam sobre o Bálsamo de Gileade é muito clara: O BÁLSAMO DE GILEADE NÃO PODE TRAZER CURA PARA A FERIDA DO POVO!
A CURA PARA A FERIDA DO POVO NÃO ESTÁ NUM BÁLSAMO, MAS EM JESUS CRISTO, NOSSO SENHOR E SALVADOR.
CONCLUSÃO
Apesar da extrema simplicidade com que tratamos o
assunto, cremos que é o suficiente para concluir, com segurança, que:
a) O cântico “Bálsamo de Gileade”, de Ana Paula Valadão,
partiu das palavras de um povo idólatra, superficial, que confiava mais nos
homens (rei da Assíria) que no Senhor, e fez dele um cântico de louvor. É algo
semelhante a começar a cantar na Igreja uma canção que exalta a verdade e a
justiça escrito por Judas Iscariotes, Jezabel ou Balaão, ou mesmo por Renan Calheiros, Fernando Collor de Melo ou José Dirceu.
b) Mais triste ainda, fez uma leitura alegórica
acerca de Gileade, que ao invés de fazer referencia a uma cidade de assassinos,
como é o contexto do texto bíblico de Oséias, passou, de alguma maneira
misteriosa, a se referir ao “bálsamo de Gileade”!?!? É a expressão clara de uma
leitura viciada, dependente de idéias estranhas ao texto bíblico, que levam a
uma interpretação que fere o texto bíblico e a doutrina.
c) Minha tese é que o meio evangélico brasileiro
tem dado uma ênfase exagerada e perigosa a temas como “vitória”, “prosperidade”,
“cura”, etc., todos temas legitimamente bíblicos, mas apresentados de maneira
distorcida, exagerada.
d) Lendo uma infinidade de sites e blogs sobre o Bálsamo de Gileade, cheguei a uma conclusão: alguém pregou um sermão sobre o Bálsamo de Gileade, com uma interpretação bíblica muito ruim, tendo sido seguido por uma legião de pastores e obreiros que não sabem ler a Bíblia sozinhos, que afirmam que a sua doutrina é apenas a Bíblia, mas que no fundo ficam repetindo sermões e outros discursos dos outros.
e) O meu amigo pastor, a que me referi na introdução,
apesar de ser um servo de Deus sério, participou deste estouro de boiada que é a teologia apresentada por algumas estrelas
do mundo gospel, nem sempre pautadas por uma boa leitura bíblica. Ler a Bíblia,
qualquer um lê, mas é necessário que se leia com entendimento. A Igreja
Evangélica Brasileira tem trocado os seus mestres (1Co 12.28; Ef 4.11) por
animadores de auditório, cantores gospel e vendedores de promessas (ou mesmo de
indulgencias evangélicas).
Ao invés de ficar cantando sobre o “bálsamo de
Gileade”, deveríamos cantar sobre o sangue do Cordeiro, que nos limpa de todo
pecado.